quarta-feira, 24 de março de 2010
Com todo meu desprezível amor.
Antes de qualquer coisa, tire esse vestido vulgar. Acentua mais ainda seus traços de vagabunda. Olhando-te assim, faz parecer que, por menos de dez reais, consigo te levar para um quarto sujo e te comer de quatro sem piedade. Por qualquer gole de cerveja barata, você já se desfaz toda deixando aparecer o ombro direito. Tire o vestido vulgar e se vista como merece.
A perfeição soa tão clichê diante de você, que possui tantos defeitos. Longe de mim, odiá-los. Apenas os repugno de forma cortês. Não entendo o balançar dos seus quadris, riscando o ziguezague suspendido no ar. Meus olhos não acompanham com exatidão, tornam-se tontos e, involuntariamente, se fecham. Sinta-se livre para arrancá-los repentinamente, meus olhos não tem função alguma se não olhar para seu corpo.
Não adianta sussurrar ao pé do ouvido que sou o único que te faz sentir assim. Você fala, para todos, palavras estúpidas. Sinto pena, por isso a amo. Olhe no espelho esta noite, tire a maquiagem forte e a expressão de escrava. Desprezível. Quando olho para ti assim, sinto desprezo. Chego a crer que merece mesmo a vida imunda e ordinária – igualzinha a você.
Querida, me dê um abraço. Só assim me sentirei bem. Não há abrigo melhor se não seus braços. Daria todo ouro do mundo, é só pedir. Também posso fazer o que quiser. Pare de pontuar-se junto às ratazanas em uma noite trivial. É nítida a diferença, de longe, seus olhos brilham – enquanto outros apenas existem.
Puta pobre, você é a escória humana. A cada gozada que toma na cara, apodrece sentindo o gosto de velhos escrotos. Se seu sonho era ser medíocre, está de parabéns. Realizou com louvor. Preciso tomar um rumo na vida e largar de vez os seus gemidos fingidos.
Amanhã passo para mais umazinha.
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Agradecimentos: Nelson Pinho e Pamela Peixoto
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Nosso olhar
Disseram que você me olha com olhos cansados, apoiando-os em largas olheiras marrons. Diga-me você: para que tanta eloqüência em um só olhar? De olhos fechados já me convence que escaladas não passam de degraus e goles d’água são apenas goles de água. Quando for preciso um piscar, dê-me metade. Não peço muito, nem o suficiente. Cerre estes olhos e junte as sobrancelhas, abrirei os meus e juntarei as minhas ao cabelo.
Se estiveres cansada, deixe-me apoiar em suas largas olheiras marrons. Diga-me você: para que tanto despudor em um só olhar? De olhos fechados já consegue me despir, fazendo parecer que nunca havia me vestido em toda minha existência. Quando for preciso um piscar, dê-me a terça parte. Peço pouco, quase o insuficiente. Aperte os olhos e contorça as sobrancelhas, escancararei os meus e perderei de vista as minhas.
Caia diante dos círculos marrons pendurados ao seu olhar cansativo. Diga-me você: para que tanta indisciplina em um só olhar? De olhos fechados já me faz infligir as leis humanas, divinas e utópicas. Quando for preciso um piscar, dê-me a quarta parte. Peço pouco, o insuficiente. Esprema os olhos e suma com as sobrancelhas, incharei os meus e esquecerei as minhas.
Detenha-se ao rabisco marrom sob a visão turva de um olhar cansado. Diga-me você: para que tanta vivacidade em um só olhar? De olhos fechados já me traz sede de viver, de tal forma que posso beber oceanos de vida para te encontrar sentada sobre infinito sépia do universo azul. Quando for preciso um piscar, dê-me a quinta parte. Peço pouco, quase o insuficiente. Beba os olhos, beberei os meus.
Vão dizer que você não me olha. Digam-me eles: para que tanto dizer? De boca fechada já me fazem ouvir o óbvio. Prefiro olhos. Quando for preciso um piscar, não pisque. Peço pouco: nada. Está cega então estarei cego também.
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Bom dia, Sueli!
Acordar ao som do despertador era a última coisa que sonhava para minha vida madura. Este pijama azul pálido com botões mais escuros chega a ser quase um atestado de óbito para tudo que pretendia viver. Quando olho para o lado, dia após dias, me deparo com Sueli. Linda. Usa sempre esse pijama amarelo desbotado que combina perfeitamente com o tom de pele.
Sueli é dez anos mais nova; quando comparada a mim. Em certos momentos, chego a sentir pena por estar casada com um homem sem tempo até para reclamar das circunstâncias diárias. Morena, alta e exatamente com três dobrinhas formosas na barriga. Nossa! Eu fico louco com as dobrinhas de Sueli! Agora ela cismou de querer fazer dieta, as mulheres cismam com coisas desnecessárias. As dobrinhas são sensuais, cansei de falar isso para ela. Eu quero mais é ficar gordo, cultivar uma bela barriga de chopp e assistir a reprise do futebol enquanto admiro, no intervalo, minha beldade cozinhando um delicioso almoço dominical.
Assim que casamos, virávamos noites conversando sobre tudo. Colocávamos um bom disco na vitrola e apenas curtíamos todas as palavras que cada um despejava na sala escura. Isto não faz muito tempo: cinco anos atrás. Susu tem que decidir se terá filhos logo, estou ficando velho e os marmanjos do meu trabalho sempre mostram as fotos na carteira. Meu sonho sempre foi ter fotos na carteira.
“Este é o João, meu caçula. Garotão... Puxou o pai! Vai ser um grande jogador de futebol, flamenguista que só ele. Esta aqui? Suzana, meu camarada. Já viu olhos mais lindos que os dela? Iguais aos da mãe. Minha patroa caprichou na Suzana. O mais velho é Tiago. Só joga vídeo game, tenho que ensiná-lo a conquistar mulheres.”
Sempre achei que teria um filho gay, não sei o motivo. Quando era mais novo, sentava no telhado da casa de minha avó e idealizava todos os meus filhos: João, Suzana e Tiago. Nunca sequer conversei com minha mulher sobre ter filhos. Assim que ela abrir os olhos, proporei uma prática (...)
Péssimo pensamento! Se ela souber que me veio à cabeça algo do tipo é capaz de cortar minha cerveja. Até que não seria má ideia; cortar minha cerveja me daria mais vontade de me impor. Sueli me domina. Adoro ser dominado. Deve ser porque fui criado só por mulheres, verdadeiro terror. Minha avó gritava feito uma bruxa velha e minha mãe quase arrancava minhas orelhas. Ainda bem que saí daquela casa assim que completei vinte anos – de mãos dadas com meio metro de sonhos, que acabei por perder no caminho.
Sueli vive me dizendo que eu tenho que voltar a falar com elas. Aliás, Sueli vive me dizendo muitas coisas. Algumas até consigo absorver, outras seguem naturalmente para o lixo mental. Esta mulher não cala a boca, acho que é seu único defeito. São raros os momentos que perco a paciência, sei me controlar. Por exemplo, nunca disse a Sueli que precisa emagrecer e comprar um pijama novo. Aliás, puta que pariu, nem sei como consigo me controlar quanto a isto!
Passei cinco anos com esta mulher e não é nem de longe o tipo que imaginei para mim: fode mal, não sabe cozinhar, ronca e cheira a produto de limpeza. Frustrações na cama até dão para suportar, afinal, sexo é sexo. Mas comer aquele arroz cheio de cebola, ouvir o ronronar nada discreto e beijar um litro de desinfetante não dá. É difícil. Sairei do casamento pronto para canonização.
Apesar de que ser santo envolve certas abdicações, e estou farto delas. Quando mais novo, escrevia listas de realizações futuras; guardei a maior: cinqüenta e oito itens. Em anos, ela não aumentou e, muito menos, diminuiu. Preciso reencontrar meu meio metro de sonho e passear com ele por aí. Só eu e ele, sem Sueli. Vou tirar o pijama azul pálido e pedir o divórcio assim que esta mulher abrir os olhos!
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
Carta de um descrente.
sábado, 8 de agosto de 2009
Dois goles de palavrão e uma cerveja.
segunda-feira, 27 de julho de 2009
Eu disse não.
Chega! Não quero mais ficar nervosa enquanto os pássaros cantam olhando o sol do meio dia; isso me deixa triste, mas não posso deixar que o vento note. Você me segura com força querendo impedir que eu vá, mas suas mãos só me fazem sentir dor quando querem mostrar carinho. Não consigo mais pedir desculpas, já não me acho tão errada. O certo e o errado já não são tão antagônicos, costumava achar bonito ver os dois se tangenciando.
Agora estão todos conversando e só eu ainda sinto no corpo a fraqueza e dor, não, por favor, não me deixe acreditar mais uma vez que a culpa é toda minha. Só queria dividir tudo isso da forma mais egoísta possível. Será que você não percebe? Somos um formando dois, e só conseguimos sentir cheiro de flor. Me deixe ir enquanto o mar está calmo. Cale a boca, guarde suas palavras em uma caixa confortável.
Quando puder ouvir tudo que um dia tentei gritar, finja não entender; eu só queria um pouco de conforto em minha caixa de palavras. Não tenho todas as respostas para as perguntas que criei, mas tenho todas as perguntas esperando as respostas. Me procure quando quiser, mas me deixe ir! Eu preciso ir. Parem de me olhar assim: como se não me conhecessem. Sim, fui eu que bebi na noite de quarta-feira enquanto você juntava as mãos e rezava. Sim, fui eu, somente eu.
Se eu disser que não quero mais há de ter uma razão: estou vendo o limite.