segunda-feira, 7 de outubro de 2013

msm


o mesmo quarto, as mesmas paredes verdes, o mesmo ventilador mal calibrado.
o mesmo horário, o mesmo jeito de acordar, "vem, filha. você vai se atrasar".
o mesmo banheiro, o mesmo chuveiro, o mesmo reflexo no espelho.
o mesmo motorista, o mesmo trocador, o mesmo ônibus.
o mesmo trajeto e o mesmo destino. 

chato viver assim
sabendo o que vai acontecer

os mesmos bom dia, zé, os mesmo silêncios
a mesma coisa
entende?

domingo, 8 de setembro de 2013

De repente.



Eu me apaixono fácil.

Certa vez, me apaixonei só de vê-lo dançar. Durou 3 anos e depois passou – parecia chuva de verão. Já quis namorar uma música, mas percebi que não seria possível no momento em que acabou – foram ótimos dois minutos e quarenta e oito segundos.

Por 2 ou 3 meses, houve um menino espanhol em minha vida. Quando nos víamos, quase não conversávamos. Mas todas as noites eu me despedia e ele dizia “boa noite, Wendy”. Conquistou meu coração.

Outro dia mesmo, o levantar de sobrancelhas despertou paixão e o sopro torto de fumaça me fez sorrir. Eu queria poder controlar isso tudo. Mas é impossível não se apaixonar por um beijo demorado, um mexer de ombros envergonhado ou um presente inesperado.

Dois amigos já me dividiram. Ganhei um casaco feito por uma avó que não era a minha. Entrou para o ranking das coisas mais lindas que recebi de surpresa. O outro me deu um Kinder Ovo. Apaixonantes.

Sotaques também me ganham. E o dos gaúchos estão em disparado. O meu primeiro deitou de bruços e falou sobre a ex. Foi lindo conhecer a vulnerabilidade de alguém. O segundo disse que amava Novos Baianos. O terceiro me chamou de guria e me derreti ao fim da palavra.

Não posso esquecer daquele que não fez nada mais do que existir. Inventei toda uma personalidade e me apaixonei. Já quis casar com uma cidade, tirar a roupa para uma frase bem colocada e abraçar um jeito de mexer no cabelo.

Paixão não é nada muito rebuscado. Não a reservo para poucos, apenas deixo vir. E ela vem. Pode ser em forma de sorriso, de brilho nos olhos. As mais avassaladoras descompassam o coração. E o meu descompassa fácil.

Existe também o desapaixonar, mas eu nunca lembro os motivos.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Notas em um papel de pão


LEMBRETE: preciso parar de cultivar coisas ruins! Deixar de lado esse negócio de navegar pelo Facebook só para ver se ela engordou, errou a mão no corte de cabelo ou, até mesmo, se tem menos curtidas do que eu no comentário sobre o fatídico cotidiano. Isso é insegurança, diria meu terapeuta, se eu tivesse um. "Yzadora, você precisa trabalhar mais a confiança em si". Gente, nem minha mãe confia em mim. Posso parecer inofensiva, mas continuo cultivando coisas ruins.

O que me conforta é que todo mundo já fez algo condenável. Aposto que 9 em cada 10 pessoas já colocaram mais comida do que aguentavam no prato e depois tiveram que jogar fora. O décimo entra na estatística dos que morrem de fome. E, digo mais, com certeza, 86,7% da população já teve uma pegação forte com alguém e se arrependeu depois. Normal, todo mundo já fez algo condenável.

O engraçado (no sentindo negativo da palavra) é que continuo me sentando de frente pro mundo para praguejar quase tudo. Sentencio mil e uma penas para os que julgo como errados. Desculpa, universo, devo parar de fazer isso também. Estou vendo a hora em que todos os astros se voltarão contra mim. Será o fim dos tempos, pelo menos do meu.

Não posso esquecer, então, de: parar de mentir e de prometer coisas que não mudarão em nada o curso natural das catástrofes. O mais sensato seria parar de comer fritura, me inscrever na natação, assumir que não gosto tanto assim da Clarice Lispector e nunca mais ficar com homens compromissados.

sábado, 9 de junho de 2012

Zé Vida, Zé Morte


Pobre, viado, macumbeiro e maconheiro. Era tudo do desprezível em uma pessoa só. Bagagem demais pras costas cansadas, é ser humano demais em um corpo divino. Eu deveria sentir pena, mas só consigo achar natural. Vida. Morte. Não é pra isso que viemos ao mundo? Viver para morrer? Alguns apenas decidem parar de enrolar, parar de acordar cedo, tomar banho, comer, pagar o aluguel. Alguns decidem o fim. Sortudo é aquele que sabe escolher o fim.

Ex-presidiário, ex-cristão, ex-traordinário, ex-querda. A gente só entende o sentido quando muda a direção, quando anda ao contrário. Se for pra ser livre, só sendo preso pra entender a liberdade. Se é pra abnegar-se dos pecados, só pecando pra receber o perdão. Pra alcançar o extraordinário, é preciso ser ordinário. Pra chegar do lado esquerdo, tem que passar pelo direito. É tudo assim: dual – com dois lados. Sim e não, bom e ruim, grande e pequeno, vida e morte.

É preciso perder pra dar valor, não é isso? Ele perdeu. Perdeu emprego, perdeu família, perdeu amigos, perdeu esperança, perdeu o equilíbrio, perdeu-se de si. É engraçado quando a pessoa só quer achar e só faz perder – a gente sabe que é sem querer. Mas de tanto negar o querer, acabou querendo. Ele quis parar de sorrir, parar de abraçar, parar de cantar, parar de se entregar, parar de se expor, parar de viver.

Sem teto, sem foda, sem santo, sem droga e, agora, sem vida. O Zé Ninguém, virou o Zé Suicida. 

terça-feira, 24 de abril de 2012

Suburbanada.


Queria ter muitos motivos para odiar o subúrbio. Eu tenho, mas ainda são poucos. Poderia listar, no máximo, uns trinta. Começaria, claro, reclamando da desfavorecida disposição geográfico. Não tem praia, as montanhas não estampam cartões postais e parece ter sido climatizado para que o diabo se sinta em casa. Dentre os motivos o barulho do trem e o ponto de ônibus suado não ficaria de fora. Assim como as extensas filas na padaria.

As coisas ruins que acontecem abaixo da cidade (nesse tal de universo sub-urbano) estão aí. Todo mundo ouve falar. Chico Buarque mesmo compôs alguns versos sobre casas sem cor e ruas de pó - cidade que não se pinta e não tem vaidade. Quando eu era uma adolescente rebelde, ouvi esta música e senti raiva. Andava pelas ruas da Zona Sul sonhando com o momento no qual esbarraria com Chico  e diria: "vá à merda".

A verdade é que fiquei puta por não me enxergar dentro daquela música. Afinal, não era cabrocha, não frequentava roda de samba e nem andava nas quebradas com exus (muito menos). Ali, comecei a tentar definir melhor o saudoso subúrbio. E, a cada nova percepção sobre o lugar, mais longe dele me sentia. Passei a odiá-lo e compreender Cristo Redentor por estar de costas. Estava inconformada com livrarias de best-sellers e auto ajuda , com locadoras de esquina recheadas de blockbusters e com as pessoas - as quais julgava medíocres.

Achava o cúmulo devotas tocando de casa em casa pra semear a palavra do Senhor. Descrevia de forma pejorativa beatas e mais beatas que liam a Bíblia no sacolejar do ônibus, e que prendiam seus cabelos em rabos de cavalo contidos pra falarem mal das vizinhas de shortinho. Pra mim, tudo era um grande retrato da hipocrisia. Criticava também as tais de shortinho, que não valorizavam seus corpos e cultuavam o obsceno – como se já não bastasse o lugar.

Encabecei um estudo (quase-que-monográfico) de “A rotina das vítimas de uma atitude suburbana”. Nele, era indicado por hábito: se apoiar na janela e fofocar da vida do vizinho, pendurar roupas na varanda do prédio, abrir o porta-malas do carro na esquina de um bar e colocar música alta, criticar a desquitada, apontar o corno manso e chamar lojas de conveniência pelo nome do dono (vou ali no Seu Manel, aqui no Rogério e lá no Luizinho).

Talvez tenha passado dois anos tomando nota para criticar o subúrbio e as pessoas que aqui moram. De repente, notei que sempre olhei querendo não estar. De forma superficial e soberba, por algum motivo, me achava superior e entendedora. Tendo a atitude suburbana, criticada por Lima Barreto, de querer ser como a Zona Sul – cheia de gente bronzeada, senhoras e suas blusas de botões dourados, crianças dando a mão às babás de branco e senhores sustentando barrigas enquanto refletem sobre a politomia social.

Acordei um dia e, sem perceber, passei a achar bonito ver a dona de casa varrendo a calçada, os azulejos com desenhos de santo em cima das portas, o pagode descontraído dos bêbados de sempre e a devota que me perguntou se eu sabia quem era Jeová. Tudo passou a ser engraçado, mas o engraçado que não é de rir.

Passei a gostar até do vassoureiro que anda na rua vendendo vassoura de tudo quanto é tipo, com aquela voz grossa e medonha.  Só no subúrbio ainda tem o cara que conserta panela dentro do carro, o que sai de bicicleta vendendo cuscuz, e o que grita “pamonha quentinha” pelas ruas andando à 5km/h.

A feira não é hippie, de antiguidades ou orgânica. É feira mesmo. Fede à peixe morto, tem muita gente gritando,  carrinhos se atropelando, madamas de bobs e lenço no cabelo, barraca que vende pião, bola de gude e pipa. Há alguns anos, tinha eu puxando meu avô pra conseguir comprar um peixe no saquinho, ao lado da barraca de ervas. 

Nunca fui de soltar pipa, mas me lembro de correr atrás delas. Até hoje, os milhares de fios de telefone pendurados nos postes estão enroscados com as marimbas de linha e pedra. Sem falar nas chuteiras que também estão drasticamente presas nos cabos de luz, em um nó tão complicado que seria pouco chamá-los de nó.

Isso tudo é bonito. É bonito demais ver como as pessoas acordam cedo todos os dias para encarar o empurra-empurra do trem, metrô e/ou ônibus. Ver que apesar do percurso amassado ele vale por alguma coisa, seja qual for, no final de semana, no final do dia e, principalmente, no final do mês – ah, e no final do ano com o queridíssimo Décimo Terceiro.

Depois que comecei a entender o propósito disso tudo, me senti parte. Parte do homem que segura a mochila da menina pra puxar assunto na condução ou do que finge que está dormindo pra não ceder o lugar na volta do trabalho. Parte da mulher que está com o cotovelo doído de tanto se apoiar na janela pra espiar a festa do vizinho ou do festeiro que liga o pagode no máximo, lota a rua de fumaça com cheiro de linguiça e bebe cerveja com a rapaziada até a última mulher parar de sambar. Parte da senhorinha que veste a saia longa e anda nas ruas tocando as campainhas para pregar ou da pessoa que atende o interfone e dispensa a palavra de Deus porque precisa prestar atenção na receita da Ana Maria Braga. Parte até do bicheiro que fez amizade com meu avô (os dois agem como se isso fosse normal – e é).

A verdade é que acordo quando nem o sol acordou só para evitar o trânsito e não chegar atrasada. Assim como a maioria das pessoas por aqui. Pego mais de uma condução, não vivo sem meu bilhete único, compro sacolé por 1 real todo final de semana ensolarado, chamo as pessoas de Maria da esquina, Zé do churrasquinho, Reinaldo do bar e Luís do jornaleiro. Assim como a maioria das pessoas por aqui.

Eu posso passar mais dois anos querendo catalogar mentalmente todas as coisas tipicamente suburbanas, afinal, a vida é feita de generalizações e estereótipos. Só que agora eu faço parte deles.


segunda-feira, 23 de abril de 2012

É isso, sou isso.

Agora, sozinha no quarto, encolhida em um canto, percebo que estou fadada a ser pra sempre mulher. Mulher do padeiro, do pedreiro, do governador, do vizinho, da vida. Mulher de ninguém, mulher de mim mesma. E é sendo o que sou que um dia deixarei de ser o que jamais quis: uma, mais uma. Afinal, o que todos querem é deixar de ser mais do mesmo.

Agora, sozinha no, deixo o cigarro queimar a ponta dos meus dedos e a carne de meus lábios. Faço o que quero com meu corpo, com meu rosto, com meu espírito. Se é que existe algo além da matéria, algo além desse inferno que é estar aprisionada em quilos de carne e litros de água. O que me faz mulher não é ser o oposto de homem.

Agora, sozinha, consigo ouvir nesse vazio quieto o som do sangue que corre e dá voltas, voltas, voltas e mais voltas. Ainda estou fatalmente viva. Viva e nada mais que isso.Todos os dias meu corpo faz as mesmas as coisas sem parar. O coração bate, meus olhos piscam e meu cérebro pensa.

Agora, percebo que não dá pra querer não existir. Naquele momento, eu não posso fingir que estou em outro lugar. Ali, não dá pra me colocar em outro corpo, me retirar do meu. Estou fadada a ser mulher. Fadada a ser sua, ser do outro, ser de quem pagar para que seja. O que me faz ser mulher é você querer que eu seja.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Até tentei.

Eu acho que amo você. Não sei quantas vezes ensaiei esta confissão. Tentei de forma direta, fingi estar conversando normal e falar do nada... Até comecei a ler poemas – poetas sabem amar, ou, pelo menos, sofrer por amor.

Lá fui eu seguir os conselhos de Clarice Lispector. Não precisei de muito para perceber o quão difícil seria ter a alma prolixa e usar poucas palavras. Jamais conseguiria controlar o volume de letras derramadas perto de você. Então, o melhor a se fazer foi deixar os ensinamentos de Clarice para quando estivesse preparada. A opção talvez fosse mesmo começar pelo básico, pelo autor da história de amor mais conhecida: Shakespeare.

Claro, a consciência inicial era de que jamais seríamos Romeu e Julieta. Por diversos motivos. Não tenho um terraço, nossas famílias não se conhecem (por isso não se odeiam) e você não me ama. Mas William me ensinou algo simples: jamais poderia exigir o amor de ninguém, apenas dar boas razões para que gostem de mim. Era isso.

Shakespeare parecia estar falando de doçura, meninice e beleza. Mas você nunca se impressionou com os quadros que pintei, com as frases que falei e com a maquiagem que discretamente coloquei. Abandonei o clássico, me desiludi e me dediquei aos ensinamentos de Bukowski.

Ele não esperou muito para me esbofetear dizendo que o amor é um tipo de preconceito. Até gritou que eu estava amando o que precisava amar, o que me era conveniente. Chegou a me convencer que seria impossível amar uma só pessoa enquanto há dez mil outras no mundo. De fato, resolvi conhecer as outras.

Não deu certo.