segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Nosso olhar

Disseram que você me olha com olhos cansados, apoiando-os em largas olheiras marrons. Diga-me você: para que tanta eloqüência em um só olhar? De olhos fechados já me convence que escaladas não passam de degraus e goles d’água são apenas goles de água. Quando for preciso um piscar, dê-me metade. Não peço muito, nem o suficiente. Cerre estes olhos e junte as sobrancelhas, abrirei os meus e juntarei as minhas ao cabelo.

Se estiveres cansada, deixe-me apoiar em suas largas olheiras marrons. Diga-me você: para que tanto despudor em um só olhar? De olhos fechados já consegue me despir, fazendo parecer que nunca havia me vestido em toda minha existência. Quando for preciso um piscar, dê-me a terça parte. Peço pouco, quase o insuficiente. Aperte os olhos e contorça as sobrancelhas, escancararei os meus e perderei de vista as minhas.

Caia diante dos círculos marrons pendurados ao seu olhar cansativo. Diga-me você: para que tanta indisciplina em um só olhar? De olhos fechados já me faz infligir as leis humanas, divinas e utópicas. Quando for preciso um piscar, dê-me a quarta parte. Peço pouco, o insuficiente. Esprema os olhos e suma com as sobrancelhas, incharei os meus e esquecerei as minhas.

Detenha-se ao rabisco marrom sob a visão turva de um olhar cansado. Diga-me você: para que tanta vivacidade em um só olhar? De olhos fechados já me traz sede de viver, de tal forma que posso beber oceanos de vida para te encontrar sentada sobre infinito sépia do universo azul. Quando for preciso um piscar, dê-me a quinta parte. Peço pouco, quase o insuficiente. Beba os olhos, beberei os meus.

Vão dizer que você não me olha. Digam-me eles: para que tanto dizer? De boca fechada já me fazem ouvir o óbvio. Prefiro olhos. Quando for preciso um piscar, não pisque. Peço pouco: nada. Está cega então estarei cego também.