sábado, 27 de junho de 2009

Nada muito diferente - II.


Caminhava na Mathew Street, tentando não respirar o ar europeu, apesar de tudo sentia falta do Brasil. O sol permanece em silêncio, assim como eu, aguardando seu momento de estrelato. Caminho na Mathew Street sobre paralelepípedos uniformes, tentando não pisar no chão. Tudo parece frio demais ao corpo e quente demais aos olhos. Sinto-me um pouco desorientada, sem saber o leste e o oeste. Sinto alguém me seguindo, não quero olhar para trás.


Como fui parar em Liverpool? De onde eu surgi? Sento ao lado de Eleanor Rigby, materializada em bronze, e fico fitando meus sapatos vermelhos; passo a mão no rosto tentando buscar a consciência (em vão). Nada parece muito real quando não se tem com quem compartilhar; tentei falar com Eleanor:


" - Você era a senhora da lápide ou a menina de 14 anos faxineira no City Hospital, de Parkhill?"


Tento ouvir Eleanor respondendo, juro que tentei, mas ela parece estar fitando meus sapatos vermelhos. All the lonely people observam tudo quando tudo não as observa. Fecho os olhos diminuindo um pouco da ardência e causando sensação de conforto, deixo, lentamente, a cabeça tomar o rumo; inclinada para a esquerda e levemente puxada por um ímã no chão.


Acordo meio zonza e demoro a me acostumar com a luz natural, minhas roupas estão úmidas em consequência ao sereno. Agora tudo é passado. Andei pela Mathew Street procurando qualquer lugar para forrar o estômago com dois goles de café gratuitamente. Não sei como, mas me lembrei de um Paul, que trabalhava no The Grapes Hotel, e tive a flutuante impressão de que éramos amigos. Assim que entrei no Grapes senti um puxão no braço e um menino-homem, aparentando ter 24 anos, começou a falar euforicamente com tom de nervoso:


" - Porra, Julia, onde você se meteu noite passada? Estava louco tentando te ligar, conseguimos um show para sexta!"


Não respondi, apenas tentei juntar as sobrancelhas. Dúvidas abriram a porta rapidamente: uma delas queria saber como o garoto de olhos verdes e cabelo castanho cacheado sabia meu nome; a segunda tentava entender como o mesmo tinha meu número de telefone; a terceira ficava lutando para saber sobre que show ele estava falando; e a quarta, porém não menos crucial, pocurava arduamente se lembrar que dia da semana era. Os olhos verdes se reviraram em polvorosos, contrastando meus olhos castanhos um tanto quanto mortos e pesados.


"- Ah! Já entendi, você tomou Old Eigth denovo. Não adianta, por mais que já esteja claro que você perde os sentidos, a memória e tudo aquilo que se pode perder... você continua tomando essa merda. Oi, sou Paul. Temos uma banda, The What, sou guitarrista e você vocal. Hora de viver!"


Fora então que lembrei de tudo. Eu morava em Liverpool, moro, havia me mudado fazia dois anos para trabalhar como jornalista no Liverpool Daily Post, jornal local. Conheci Paul no The Cavern Club e fiquei julgando a obsessão por The Beatles de todos, até que ele me disse que o nome dele era em homenagem ao McCartney. The What, nossa "banda". Ainda estávamos procurando qualquer baterista e, também, qualquer, qualquer mesmo, baixista. Lembrei do quão ruim era o nome da nossa banda, tentando fazer um trocadilho imbecil com The Who. Só Paul levava com seriedade aquela brincadeira de acordes. Agora tudo é presente.


Tomo uns goles de café gratuitamente e vou para casa tomar banho. Tolice a minha ter achado que ontem era minha primeira noite em Liverpool; logo agora, que começa a ter mais rotina do que café no meu copo.


sexta-feira, 26 de junho de 2009

Nada muito diferente.

O letreiro vermelho luminoso me lembrava os motéis baratos do Brasil, de fato, não eram lembranças agradáveis. Já que estava lá, parada com meu vestido preto de bolinhas, nada muito anos 60, e meia calça, às 10pm; resolvi não deixar o passado tomar decisões e entrei. The Cavern Club. A única exigência era não encontrar espelho no teto; de resto, tudo seria lucro para a primeira noite em Liverpool.


Contrariando pensamentos previsíveis, eu não havia viajado para a cidade impulsionada por meus comprimidos diários dos Beatles; estava lá sem querer. Depois de uns infinitos goles só estava descabelada, com cinquenta libras entre meu seio esquerdo e o sutiã, e em Liverpool! Saldo positivo para uma noite de outono.

Lugar aconchegante,quadro andares abaixo ao solo, de tijolos e teto sem espelho; porém arredondado. Eu conseguia sentir o aroma de jazz na parede, mesmo estando claro que tudo é puro rock'nroll. Todas as pessoas, sem distinção de sexo e bebida, pareciam já ter lido a biografia de John Lenon. Me senti deslocada; nunca tive sequer a vontade de ter paciência para ler sobre a vida do João; 'brasileiramente' falando. Resolvi, ou minhas pernas resolveram por mim, sentar. A mesa tinha lugar para mais duas pessoas e, naquele momento, só tinha um amigo imaginário. Por isso o matei, ia ficar muito óbvio que tinha poucos amigos.

Havia um guitarra saltitando ao fundo todas as vezes que a bateria mandava, contrastando com a falta de originalidade daqueles que a sentiam/ouviam/viam/ignoravam. Meus ombros começaram a ficar descompassados, enquanto um ia para frente, o outro direcionava-se para trás; no ritmo da louca música de UK. Não vou mentir, aquilo tudo era bem melhor do que o Google poderia me oferecer.

Longe, avistei um homem de blusa social branca tentando se esconder atrás do colete preto. Segurava o copo de cerveja como se fosse o último diamante da noite, nunca gostei muito de diamantes e cerveja. Ele olhava compenetrado para o teto se agitando e gritando, da forma mais fiel que o gerúndio possa se expressar. Fiquei com inveja e saí daquela caverna.

Beijei de forma intensa o João de bronze, e coloquei o resto do dinheiro em outro sutiã bêbado.


Selo

Agradecer o blog http://www.indio-indie.blogspot.com/ pela indicação do selo.
Ctrl c + Ctrl v = "Este selo é para blogs que 'demonstram talento, seja nas artes, nas letras, nas ciências, na poesia ou em qualquer outra área e que, com isso, enriquecem a blogosfera e a vida dos leitores'.

Regras:
1 - O premiado deverá expor o selo no seu blog e atribuí-lo a sete outros blogs que considere merecedores.
2 - O premiado deverá responder à seguinte pergunta: O que significa para si ser um Homo sapiens?"

1- Os blogs que estão no canto esquerdo da tela são merecedores.
2- Para falar a verdade, não significa muita coisa palpável. Até agora eu estou gostando.