quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Até tentei.

Eu acho que amo você. Não sei quantas vezes ensaiei esta confissão. Tentei de forma direta, fingi estar conversando normal e falar do nada... Até comecei a ler poemas – poetas sabem amar, ou, pelo menos, sofrer por amor.

Lá fui eu seguir os conselhos de Clarice Lispector. Não precisei de muito para perceber o quão difícil seria ter a alma prolixa e usar poucas palavras. Jamais conseguiria controlar o volume de letras derramadas perto de você. Então, o melhor a se fazer foi deixar os ensinamentos de Clarice para quando estivesse preparada. A opção talvez fosse mesmo começar pelo básico, pelo autor da história de amor mais conhecida: Shakespeare.

Claro, a consciência inicial era de que jamais seríamos Romeu e Julieta. Por diversos motivos. Não tenho um terraço, nossas famílias não se conhecem (por isso não se odeiam) e você não me ama. Mas William me ensinou algo simples: jamais poderia exigir o amor de ninguém, apenas dar boas razões para que gostem de mim. Era isso.

Shakespeare parecia estar falando de doçura, meninice e beleza. Mas você nunca se impressionou com os quadros que pintei, com as frases que falei e com a maquiagem que discretamente coloquei. Abandonei o clássico, me desiludi e me dediquei aos ensinamentos de Bukowski.

Ele não esperou muito para me esbofetear dizendo que o amor é um tipo de preconceito. Até gritou que eu estava amando o que precisava amar, o que me era conveniente. Chegou a me convencer que seria impossível amar uma só pessoa enquanto há dez mil outras no mundo. De fato, resolvi conhecer as outras.

Não deu certo.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Certeza.

Complicamos a vida. Porque não conseguimos viver sem quaisquer problemáticas. Precisamos de dúvidas insolúveis, de dramas mexicanos, de óperas greco-romanas, de filmes apocalípticos. Precisamos nos sentir úteis ao resolver problemas – aqueles que nós mesmo fizemos questão de inventar. Talvez demore gerações, melhor será. Amores não correspondidos, guerras. Um amontoada de invenção humana.

Jamais entenderei o porquê de estarmos aqui. Nós dois. Por que estamos colocando tantos pontos interrogativos em algo tão sublime. Você não entende, não precisa. Não quero. Bonito é não entender. Imagine se todos soubessem desde o princípio sobre o fogo, sobre o roda, sobre a morte. Imagine se o mundo fosse isento de todas as dúvidas. O que seria dos Deuses?

É lindo. Não existe nada mais incrível do que ter estrelas brilhando no céu. Veja você, como seria mágico não entender o motivo. Em algum lugar, em alguma dimensão, crianças estão sentadas agora inventando histórias sobre o escurecer do céu, sobre o brilho das estrelas, sobre o calor do sol. Quão mágico seria.

Magia nunca foi o nosso forte, e você sabe disso – tem certeza.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Querência

Eu sou o que imagino ser
Serpente
Serpentina
Ser humano

Sou nuvem que apaga sol e faz chover
Molho
Alago
Depois deixo escorrer

Pareço ser o que jamais seria
Cama arrumada
Beijo apressado
Louça na pia

Você é o que eu quero
O que só eu sei querer
Manhã no sítio
Grama molhada
Entardecer

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Conversa quase-introdutória

A gente precisa conversar. Senta aqui do meu lado e tenta não olhar nos meus olhos. Preciso falar algumas palavras tortas e mal formadas. Prematuras e apressadas. Está acontecendo um imprevisto entre nós dois – um devaneio matutino, uma busca sem sentido.

Não me pergunte o que acho disso, se preciso, se quero ou se devo. Apenas ouça. Escute cada fagulha de pensamento e depois mude de assunto. Podemos falar sobre cinema francês, música britânica, literatura latina, gastronomia italiana e beleza americana. Mude de assunto como você sempre faz. Transforme todas as minhas confissões em simples emaranhado de letras mal costuradas.

Talvez seja melhor não. Só assim evitarei sua testa franzida.

sábado, 9 de abril de 2011

Ninguém quer

Haviam corpos deitados no chão e só eu os via. Uma mulher abraçava as pernas para não perder parte da única coisa que lhe resta: seu corpo. Estava nua, completamente crua. Sentada no tapete popular quente e insano. Pés pisavam, mãos balançavam e olhos olhavam – sem sentir, pender e ver. Ela estava ali, estendendo todo seu sofrimento mudo e ensurdecedor.

Permaneci por alguns minutos encarando todos os detalhes. Vi a pele negra surrada, as unhas encravadas e os olhos amedrontados. Quis sentar ao lado do vulnerável, mas me mantive presa ao meu chão – tão perto e tão distante. De repente, uma voz impaciente quebrou o silencio que fiz questão de manter.

“Lucia, levanta do chão. Está todo mundo olhando!”

Desviei minha atenção para voz e dei de cara com uma mulher loira e branca - quase angelical, se não fosse pelas sobrancelhas unidas e sisudas. Os cabelos estavam angustiados em forma de coque e tinha olhos consolados castanhos. Na camisa, uma nomeação: soldado de Jesus. Enquanto percorria novos detalhes, fui interrompida por Lucia.

Ela havia descruzado as pernas, deixando a feroz intimidade invadir os passivos que por ali estavam. Fui invadida pela vontade de tirar as roupas e impedir que aquilo tudo estivesse acontecendo. Quis roubar um pouco da verdade que estava sendo loucamente despejada do corpo inquieto e despreocupado. Mas outra voz cortou meus pensamentos.

“Coloca uma roupa nela”

A ordem saía da boca carnuda de uma negra parruda. Sufocada por uma blusa tom mustarda e caminhando curto com a saia marrom. Ela estava ao lado do soldado, sem parar de apontar e desapontar Lucia.

“Ela não quer, senhora”

Aquilo tudo me incomodava de alguma forma. A negra continuava insistindo na roupa. Passeei com meus olhos a fim de encontrar o céu e no meio do caminho me deparei com uma placa pregada na base militar do soldado. Letras gritavam: “Pare de sofrer”.

“Ela não quer, senhora”

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Relacionamento maduro, com referências imaturas.

Em uma quinta-feira, quero ser levada para jantar. Sentaremos em uma mesa para dois, com a toalha branquinha. Das duas taças, só a de vinho estará cheia. Nos pratos, a ave ornamental ao molho pardo. Você sorrirá ao me ver colocar o cabelo atrás da orelha. E eu colocarei sempre o cabelo atrás da orelha para te ver sorrir. Os garçons dançarão ao nosso redor, as pessoas pomposas mastigarão animais e não estaremos nem aí. Estaremos ali.

Você pedirá a conta e pagará com o cartão de crédito prateado. É óbvio que não teremos dinheiro para pagar a vista. Seremos apenas dois pé-rapados no mundo. Mas você se oferece porque diz adorar pagar em parcelas – “é como se tivesse jantado desta forma todas as cinco vezes, entende?”. Acharei esta desculpa um máximo e terei certeza de que você é a pessoa mais incrível que eu tenha conhecido.

Meu fusca estará estacionado do outro lado da rua e sua bicicleta presa em um poste afastado. Você pedalará na velocidade da brisa fresca, se afastando mais e mais do carro que larguei na calçada. Enquanto meu cabelo solto se desmancha, as estrelas tentarão alcançar-nos (em vão).

Chegaremos justo na hora em que a noite vira madrugada. Será dia de irmos para o meu apartamento (é mais perto). A sala estará escura e, depois de se jogar no sofá, você ligará meu abajur de luz amarelada. Beatles? Não, vamos estar envinhados demais para o quarteto. Nossos ouvidos clamarão por solos, e o B.B.King começará a dar voltas na vitrola. Eu sentarei em cima de um livro do velho Buk. Você o tomará de minha mão e lerá um trecho de uma página qualquer – um cheio de bucetas, gozadas e sujeiras.

Riremos, lembrando de como era divertido ler Bukowski quando se tinha 17 anos. Era como estar subvertendo tudo ao mesmo tempo. Entraremos em um papo nostálgico com cheiro de canela e café quente. Estará frio lá fora e a guitarra do disco ainda estará solando. Você colocará meu cabelo para trás da orelha e eu sorrirei precedendo o beijo.

Beijaremo-nos como se todas as mentiras fossem verdades e vice-versa. Sua mão quente abraçará meu pescoço, que passou a noite a sustentar o vazio. Não falaremos nada. Meus dedos vão percorrer caminhos conhecidos como se fosse a primeira vez. A minha primeira vez, a nossa. A sua jamais. Vou misturar o seu gosto de café e vinho ao pouco de canela que guardei no chão da sala.

Nossa madrugada não perceberá o lado A do disco acabando, a luz do abajur esquentando, o contato macio da pele suada e o sol amarelando o céu. Você dirá baixo no meu ouvido que o dia já amanheceu – eu escutarei e só. Nossos corpos se levantarão e se envolverão em uma roupa beirando a seriedade.

Em uma sexta-feira, eu imagino como teria sido um possível ontem.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Ser ou não ser.

Eu sou do mundo. Sou daquele que sorri ao me ver passar. Reservo-me em ser de cada instante percorrido. Quisera eu poder ser de nada, de ninguém. Mas sou apenas mais um pertence. Um colar que penduram no pescoço, um olhar que pisca rotineiramente, uma gota.

Não ser para ser livre te faz capaz de ser mais do que seria. Eu pertenço aos planos, aos desejos sórdidos, aos sorrisos falsos. A vida nada mais é do que pertencer aos momentos que te pertencem. E todas as vezes que me algemo ao presente, noto que minha cadeia será sempre o futuro.

Estou presa e condenada a pertencer ao tempo, ao mundo.