sábado, 9 de abril de 2011

Ninguém quer

Haviam corpos deitados no chão e só eu os via. Uma mulher abraçava as pernas para não perder parte da única coisa que lhe resta: seu corpo. Estava nua, completamente crua. Sentada no tapete popular quente e insano. Pés pisavam, mãos balançavam e olhos olhavam – sem sentir, pender e ver. Ela estava ali, estendendo todo seu sofrimento mudo e ensurdecedor.

Permaneci por alguns minutos encarando todos os detalhes. Vi a pele negra surrada, as unhas encravadas e os olhos amedrontados. Quis sentar ao lado do vulnerável, mas me mantive presa ao meu chão – tão perto e tão distante. De repente, uma voz impaciente quebrou o silencio que fiz questão de manter.

“Lucia, levanta do chão. Está todo mundo olhando!”

Desviei minha atenção para voz e dei de cara com uma mulher loira e branca - quase angelical, se não fosse pelas sobrancelhas unidas e sisudas. Os cabelos estavam angustiados em forma de coque e tinha olhos consolados castanhos. Na camisa, uma nomeação: soldado de Jesus. Enquanto percorria novos detalhes, fui interrompida por Lucia.

Ela havia descruzado as pernas, deixando a feroz intimidade invadir os passivos que por ali estavam. Fui invadida pela vontade de tirar as roupas e impedir que aquilo tudo estivesse acontecendo. Quis roubar um pouco da verdade que estava sendo loucamente despejada do corpo inquieto e despreocupado. Mas outra voz cortou meus pensamentos.

“Coloca uma roupa nela”

A ordem saía da boca carnuda de uma negra parruda. Sufocada por uma blusa tom mustarda e caminhando curto com a saia marrom. Ela estava ao lado do soldado, sem parar de apontar e desapontar Lucia.

“Ela não quer, senhora”

Aquilo tudo me incomodava de alguma forma. A negra continuava insistindo na roupa. Passeei com meus olhos a fim de encontrar o céu e no meio do caminho me deparei com uma placa pregada na base militar do soldado. Letras gritavam: “Pare de sofrer”.

“Ela não quer, senhora”

8 comentários:

Sandro Ataliba disse...

Belíssimo texto. Forte, tenso, e retrata bem o dito e o não dito.
Beijo

Unknown disse...

O mundo ta todo enfeitado de pontos de vista!

Marlon disse...

Caramba!
fazia tempo que não visitava seu blog.
Belo texto.. inquietante!

Parabéns!

Thaís Alves disse...

Nossa, estava justamente falando com meu marido (Sandro Ataliba) que os homens escrevem melhor que as mulheres no blog (de vez em qdo eu olho os blogs que ele segue e vice e versa), aí encontrei seu blog. Parabéns pelo texto, muito bem escrito. Voltarei com mais calma para ler os mais antigos e os novos. Seguindo. Beijos

Thaís Alves disse...

P.S: Se não tiver ficado claro: você me fez morder a língua...rs Bjs

Jose Ramon Santana Vazquez disse...

...traigo
sangre
de
la
tarde
herida
en
la
mano
y
una
vela
de
mi
corazón
para
invitarte
y
darte
este
alma
que
viene
para
compartir
contigo
tu
bello
blog
con
un
ramillete
de
oro
y
claveles
dentro...


desde mis
HORAS ROTAS
Y AULA DE PAZ


COMPARTIENDO ILUSION
FALANDO SOZINHA

CON saludos de la luna al
reflejarse en el mar de la
poesía...




ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE CARROS DE FUEGO, MEMORIAS DE AFRICA , CHAPLIN MONOCULO NOMBRE DE LA ROSA, ALBATROS GLADIATOR, ACEBO CUMBRES BORRASCOSAS, ENEMIGO A LAS PUERTAS, CACHORRO, FANTASMA DE LA OPERA, BLADE RUUNER ,CHOCOLATE Y CREPUSCULO 1 Y2.

José
Ramón...

Anônimo disse...

Yzadora....

Adorei!

CAMILA de Araujo disse...

Me senti exatamente no lugar do personagem, como se eu houvesse realmente o fosse, e não somente um leitor encenando um texto, senti a confusão lugar caótico e a grande da falta de comunicação entre dizeres e imagens, da nudez de pensamentos ao eufemismo das placas.

www.papel40kg.com