domingo, 30 de maio de 2010

Saindo da caverna

Você se acha esperto demais. Mas imagine só: você não sabe de nada. Nem eu, nem ninguém. A vida é muito mais, muito mais, do que isto. Muito. Muito mais. Quando te vejo deitado na sua cama de medo curtindo o conforto, sinto vontade de correr para longe. Bem longe. Até quando nós vamos viver nos escondendo? Se você me der uma data certa, consigo esperar até lá. Diga-me, ou faça isso parar. Agora.

Cinco, quatro, três... O relógio começou a andar ao contrário. Como vamos sair daqui? Não tem saída! Pelo amor de todos os santos daqui e de lá, me tire daqui. Vai, corre também. Está me escutando? Olha pra mim, eu consigo tirar a gente daqui. Confia. Confia. Cinco, quanto, três.

Confia. Abra os ouvidos, de alguma forma você conseguirá me escutar. Abaixe esses braços, não levante as mãos para o céu. Que céu¿ Estamos aqui. Presos a terra. Somos as raízes, deveríamos ser árvores. Estamos cada vez mais entranhados, precisamos sair daqui!

Cadê você? Pare de se esconder atrás do passado. Tem muito mais pela frente. Muito mais. A nossa vida não acabou, não vai acabar nunca. Solte minha mão. Você está presa demais. Não vou conseguir te tirar daqui. Eu sei, vou me salvar sozinha.

Você não vê saída? Eu vejo.

sábado, 29 de maio de 2010

Assunto importante

Esta será a última vez que falo de amor.

















Porra!

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Parabéns, este é teu presente.

Hoje acordei com um bolo avisando que tenho 30 anos. Muitas pessoas (cinco) batiam palmas, aplaudiam sei lá o quê. Eu estava deitado, e olhei tudo do ângulo mais desfavorecido possível. Todos estavam com gogó grande, quadris largos e céus da boca profundos. Aquilo me fez lembrar de outro bolo, mais gentil, que contava bem baixinho sobre meus 8 anos bem vividos. Minha mãe, meu pai cantavam sussurrando e Lucy desbravava meu rosto com sua língua canina.

Ai, que primavera maravilhosa. Acordei com um afago na cabeça e por uma fração de segundos vi o dia ensolarado. Uau, eu estava fazendo 8 anos, meu quarto era azul e nada me deixava mais contente do que ver o He-man enorme do lado do meu espelho. Eu esperava ganhar o Pégassus. Um carrinho dourado de controle remoto. Não ganhei, já vou logo adiantando.

Meu pai abriu um sorriso largo e disse: “Filho, teu presente está te esperando lá fora.” – ótimo. Joguei a coberta do Mickey longe e corri até o jardim. Nada me esperava lá fora, a não ser grama, uma macieira, na qual meu pai vivia se gabando por ter, e uma bola jogada no canto direito, perto do muro. Fiquei uns 10 minutos, sem exagero nenhum, gritando e procurando o presente – enquanto meus pais riam da porta de casa.

Eu diria hoje que aquele riso todo foi desnecessário. É muita sacanagem fazer isso com um moleque de 8 anos, cheio de ansiedade correndo na veia e sem os dois dentes da frente. Eu já estava emocionalmente abalado, uma seqüência de risadas era o que menos precisava.

Minha mãe finalmente resolveu cessar meus gritos desesperados de “cadê, cadê, cadêêê” e apontou para a macieira dizendo que ela era meu presente. Isso mesmo, eu havia sido presenteado com uma árvore. Uma bonita e robusta árvore. Macieira. Entendeu? ÁR-VO-RE. Olhei atônito para meus genitores e recebi de volta olhos ternos como quem diz “E aí? Gostou?”

Caminhei fincando meus passos no chão até o presente e, com toda minha fúria infantil, o chutei. Quebrei o dedão. Enquanto eu gritava de dor e desapontamento, meu pai corria até mim. Passei a manhã no hospital de pijama, e voltei com o dedo enfaixado. Passei a tarde inteira no meu jardim olhando para árvore e imaginando por que meu pai havia tido a infeliz idéia de me dar aquilo. “A macieira nem dá maçã direito”, pensava entre as lágrimas grossas.

Hoje estou aqui, olhando para as palmas de Júlia, Paulão, Roberto, meu pai e minha mãe. Paulão e Roberto são meus vizinhos no prédio. Júlia é minha prima que mora comigo aqui na capital para estudar artes cênicas. Meu pai e minha mãe... Bom, eles são, respectivamente, meu pai e minha mãe. Depois de 22 anos percebo que deveria ter dado valor àquela árvore no exato momento em que a recebi.

Ela foi minha confidente por anos, dormia comigo depois de ter lido em voz alta livros e mais livros sobre homens e mulheres que sofriam e amavam, me olhava todas as vezes que eu chegava em casa e era nada mais (muito mais) que uma árvore. A minha árvore que se perdeu no cotidiano.
Queria a Lucy me lambendo o rosto, o He-man me olhando e a macieira no jardim nessa primavera maravilhosa. Mas meu passado não será nunca meu presente.