quarta-feira, 19 de maio de 2010

Parabéns, este é teu presente.

Hoje acordei com um bolo avisando que tenho 30 anos. Muitas pessoas (cinco) batiam palmas, aplaudiam sei lá o quê. Eu estava deitado, e olhei tudo do ângulo mais desfavorecido possível. Todos estavam com gogó grande, quadris largos e céus da boca profundos. Aquilo me fez lembrar de outro bolo, mais gentil, que contava bem baixinho sobre meus 8 anos bem vividos. Minha mãe, meu pai cantavam sussurrando e Lucy desbravava meu rosto com sua língua canina.

Ai, que primavera maravilhosa. Acordei com um afago na cabeça e por uma fração de segundos vi o dia ensolarado. Uau, eu estava fazendo 8 anos, meu quarto era azul e nada me deixava mais contente do que ver o He-man enorme do lado do meu espelho. Eu esperava ganhar o Pégassus. Um carrinho dourado de controle remoto. Não ganhei, já vou logo adiantando.

Meu pai abriu um sorriso largo e disse: “Filho, teu presente está te esperando lá fora.” – ótimo. Joguei a coberta do Mickey longe e corri até o jardim. Nada me esperava lá fora, a não ser grama, uma macieira, na qual meu pai vivia se gabando por ter, e uma bola jogada no canto direito, perto do muro. Fiquei uns 10 minutos, sem exagero nenhum, gritando e procurando o presente – enquanto meus pais riam da porta de casa.

Eu diria hoje que aquele riso todo foi desnecessário. É muita sacanagem fazer isso com um moleque de 8 anos, cheio de ansiedade correndo na veia e sem os dois dentes da frente. Eu já estava emocionalmente abalado, uma seqüência de risadas era o que menos precisava.

Minha mãe finalmente resolveu cessar meus gritos desesperados de “cadê, cadê, cadêêê” e apontou para a macieira dizendo que ela era meu presente. Isso mesmo, eu havia sido presenteado com uma árvore. Uma bonita e robusta árvore. Macieira. Entendeu? ÁR-VO-RE. Olhei atônito para meus genitores e recebi de volta olhos ternos como quem diz “E aí? Gostou?”

Caminhei fincando meus passos no chão até o presente e, com toda minha fúria infantil, o chutei. Quebrei o dedão. Enquanto eu gritava de dor e desapontamento, meu pai corria até mim. Passei a manhã no hospital de pijama, e voltei com o dedo enfaixado. Passei a tarde inteira no meu jardim olhando para árvore e imaginando por que meu pai havia tido a infeliz idéia de me dar aquilo. “A macieira nem dá maçã direito”, pensava entre as lágrimas grossas.

Hoje estou aqui, olhando para as palmas de Júlia, Paulão, Roberto, meu pai e minha mãe. Paulão e Roberto são meus vizinhos no prédio. Júlia é minha prima que mora comigo aqui na capital para estudar artes cênicas. Meu pai e minha mãe... Bom, eles são, respectivamente, meu pai e minha mãe. Depois de 22 anos percebo que deveria ter dado valor àquela árvore no exato momento em que a recebi.

Ela foi minha confidente por anos, dormia comigo depois de ter lido em voz alta livros e mais livros sobre homens e mulheres que sofriam e amavam, me olhava todas as vezes que eu chegava em casa e era nada mais (muito mais) que uma árvore. A minha árvore que se perdeu no cotidiano.
Queria a Lucy me lambendo o rosto, o He-man me olhando e a macieira no jardim nessa primavera maravilhosa. Mas meu passado não será nunca meu presente.

6 comentários:

Marlon Eduardo Faria disse...

Lindo teu blog! Uma das minhas melhores descobertas. Parabéns pela qualidade de seus textos!

Renata Fontanetto. disse...

precisava tanto ler algo escrito com tanto carinho. muito linda a história. doce e encantadora. atoooron *.*

Then disse...

nem li.. muito grande.. não faz meu estilo.. rsrs.. mas gostaria de fazer a presença e te dá essa moral! zYza..

Juliana Spotto disse...

Cara, depois que eu li esse texto, a primeira coisa que fui fazer foi procurar meu lençol da pequena sereia para me cobrir com ele. Nostalgia maravilhosa que você causou, baby baby ô

Anônimo disse...

Belo retrato nostálgico
Gosto do saudosismo presente e da forma como constrói a história
Delicadamente desenhada e profundamente instituída

Lindo trabalho, Yza

; )

João Arthur disse...

Nosso roteiro ta ficando cada vez melhor!!!