quinta-feira, 14 de maio de 2009

Meia vinte e sete.

Texto baseado em fatos reais.

Saiu de casa e fez o sinal da cruz com a mão direita, enquanto mantinha em suas costas uma porta fechada. O clima era dispensável. Se estivesse chovendo, iria sem guarda-chuva. Se chovesse no caminho, não voltaria para buscar o guarda-chuva. Se estivesse sol, nem lembraria do guarda-chuva. Vestindo sua calça capri marrom e blusa laranja, uma senhora de oitenta e dois anos ia caminhando em passos de formiga caminhos de elefante.

Todo dia era a mesma coisa. Acordava, arrumava o quarto alugado e se aprontava para almoçar fora. O restaurante é mais conhecido no mundo, Maracanã. Lamúrias por conta de aborrecimentos com a cunhada, dona do quarto que alugava. Não havia se casado, não havia procriado; não se lamuriava por isto. Vestindo sua calça capri marrom e blusa laranja, uma senhora de oitenta e dois anos ia tentando não ligar para os gigantes e viver o constante.

Pegou o meia vinte e sete rumo a praça Sans Peña. Após uma curva brusca na Rodovia Marechal Rondon, decidiu se resguardar em um lugar ao lado da janela. Com alguns fios brancos no queixo, a pequena senhora cerrava os olhos enrugados desviando-se do vento. O banco faz parte do enredo cotidiano, a praça torna-se abrigo para o restaurante dos finais de semana. Vestindo sua calça capri marrom e blusa laranja, uma senhora de oitenta e dois anos ia driblando as vinte e quatro horas diárias com a solidão na cidade grande.

Cachoeira visitou no Alto da Boa Vista; sem ter certeza se estava sozinha ou acompanhada pelo invisível, não se importava. Manter-se em atividade é regra vitalícia. Não, ela não queria acordar por acordar. Escolheu não se casar. Escolheu não se lembrar. Escolheu fechar a porta e fazer o sinal da cruz com a mão direita. Vestindo sua calça capri marrom e blusa laranja, uma senhora de oitenta e dois anos contava seus dias rosados para ouvidos ainda verdes.

Saí de casa e fiz o sinal da cruz com a mão direita, enquanto mantinha em minhas costas mais uma porta fechada.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Adultério.

Acordei com dor de cabeça. O sol estava queimando tudo que encontrava em sua frente. Meus olhos ainda estavam embaralhando e minha roupa ainda mostrava resquícios da noite passada. Olhei para o lado e vi, enterrado no travesseiro e quase coberto com um fino lençol branco, o mais bonito rosto moreno que possa existir entre o céu e o mar. Lembro-me da noite passada, quero tudo agora pela manhã mais uma vez, com um pouco mais de intensidade. O sol estava pedindo mais intensidade, ele suplicava.

Liguei para Leonardo e Denis, amigos de adolescência que sempre sorriem após qualquer proposta. Gosto de idéias que não mostram nexo aparente seguidas de um sorriso largo e malicioso. Leonardo estava namorando por longos oito anos e não queria nem ouvir falar sobre noivado e casamento; Denis era só um garoto na puberdade dos trinta anos. Antes, durante e depois, dessa vez precisava ir até o fim!

Avistei a casa que exalava um calor doce, pude sentir de longe, sentimos. "Nunca é cedo para algumas doses de Whisky e outros drinks, nunca é cedo para entrar no sublime estado de embriaguez" Como já dizia o velho poeta inventado. Incontáveis mulheres de rostos redondos, outras compartilhavam rostos finos. Rostos; todos eles me olhavam sem pudor enquanto tentavam, sem persuasão, enxugar o excesso de sensualidade que estava escorrendo. Certos atos julgavam a si próprios como vulgares. Comecei a ferver por dentro, suava levemente; tudo começava a ficar bem mais sério.

Lembro-me de Joana, aquela de rosto moreno tão incomum, a deixei na cama há algumas horas atrás. O que estava acontecendo comigo? Seria eu mais adultero em um mundo falso moralista; estava gostando disso, ao menos da idéia de ser um.

Agora a garota de rosto fino, suave e claro estava me atormentando, tirando toda a minha paz; se é que um dia já a tive. É sensacional o jeito como ela parece saber como levar essa louca dança imprevisível; quando os movimentos pendem para a lateral, fico tonto, entorpecido. Não me responsabilizo mais por qualquer comando enviado por meu cérebro, desligo a consciência, me entrego à ciência desconhecida.

Vejo-a deste ângulo inferior e percebo o quanto ela é bonita. Joana é a última de minhas mais remotas lembranças que estão se apagando suspiro por suspiro. Antes, durante e depois; dessa vez eu precisei ir até o fim. Ela está tão próxima agora, seu peito feminino encosta em meu peito masculino; seguro-a como se quisesse impedir uma fuga. Meus olhos estão secos e pulsantes, meus olhos estavam secos e pulsantes. Sentimento umidecido de culpa e prazer.

Definitivamente não passo de um adultero em meio da multidão da fictícia conservação, gosto disso.








(Inspiração peculiar : música 'Aldultério' de Mr. Catra http://vagalume.uol.com.br/mr-catra/adulterio.html)