quinta-feira, 22 de abril de 2010

Olhe lá, olhe cá

Hoje vi alguém sentado no meio fio quente enquanto escrevia, em um papel branco, letras frias. Durante exatos vinte segundos, encarei como se fosse a única mulher do mundo. Com as pernas cruzadas sustentando um bloco amarrotado, o lápis corria sem nem sequer desgrudar-se das letras. Talvez se eu tivesse mais quatro ou cinco segundos com aquele rosto suado e desconhecido, teria conseguido ler tudo que gostaria expressar.

A mulher de óculos escuros quadrados respirava curto, e eu estava no mesmo ritmo, mas ao contrário. Como se trocássemos de ar e ela sugasse todo o meu. Coçava a cabeça e secava a testa, enquanto caminhava contando os passos.

O meio fio meio frio enquanto quente estava, agarrava a mulher sentada como se nada existisse. O barulho do lápis machucando o silêncio da rua era inevitavelmente sensacional. Não parei para admirar de perto a beleza dos sonhos cuspidos. Tenho certeza que por um segundo deixei de conhecer a face hedionda. A esquina deveria nascer mais tarde e, então, não seria tarde demais.

Um comentário:

Macaco Pipi disse...

MUITO BOM AS COISAS TUAS AQUI!