Hoje acordei com um bolo avisando que tenho 30 anos. Muitas pessoas (cinco) batiam palmas, aplaudiam sei lá o quê. Eu estava deitado, e olhei tudo do ângulo mais desfavorecido possível. Todos estavam com gogó grande, quadris largos e céus da boca profundos. Aquilo me fez lembrar de outro bolo, mais gentil, que contava bem baixinho sobre meus 8 anos bem vividos. Minha mãe, meu pai cantavam sussurrando e Lucy desbravava meu rosto com sua língua canina.
Ai, que primavera maravilhosa. Acordei com um afago na cabeça e por uma fração de segundos vi o dia ensolarado. Uau, eu estava fazendo 8 anos, meu quarto era azul e nada me deixava mais contente do que ver o He-man enorme do lado do meu espelho. Eu esperava ganhar o Pégassus. Um carrinho dourado de controle remoto. Não ganhei, já vou logo adiantando.
Meu pai abriu um sorriso largo e disse: “Filho, teu presente está te esperando lá fora.” – ótimo. Joguei a coberta do Mickey longe e corri até o jardim. Nada me esperava lá fora, a não ser grama, uma macieira, na qual meu pai vivia se gabando por ter, e uma bola jogada no canto direito, perto do muro. Fiquei uns 10 minutos, sem exagero nenhum, gritando e procurando o presente – enquanto meus pais riam da porta de casa.
Eu diria hoje que aquele riso todo foi desnecessário. É muita sacanagem fazer isso com um moleque de 8 anos, cheio de ansiedade correndo na veia e sem os dois dentes da frente. Eu já estava emocionalmente abalado, uma seqüência de risadas era o que menos precisava.
Minha mãe finalmente resolveu cessar meus gritos desesperados de “cadê, cadê, cadêêê” e apontou para a macieira dizendo que ela era meu presente. Isso mesmo, eu havia sido presenteado com uma árvore. Uma bonita e robusta árvore. Macieira. Entendeu? ÁR-VO-RE. Olhei atônito para meus genitores e recebi de volta olhos ternos como quem diz “E aí? Gostou?”
Caminhei fincando meus passos no chão até o presente e, com toda minha fúria infantil, o chutei. Quebrei o dedão. Enquanto eu gritava de dor e desapontamento, meu pai corria até mim. Passei a manhã no hospital de pijama, e voltei com o dedo enfaixado. Passei a tarde inteira no meu jardim olhando para árvore e imaginando por que meu pai havia tido a infeliz idéia de me dar aquilo. “A macieira nem dá maçã direito”, pensava entre as lágrimas grossas.
Hoje estou aqui, olhando para as palmas de Júlia, Paulão, Roberto, meu pai e minha mãe. Paulão e Roberto são meus vizinhos no prédio. Júlia é minha prima que mora comigo aqui na capital para estudar artes cênicas. Meu pai e minha mãe... Bom, eles são, respectivamente, meu pai e minha mãe. Depois de 22 anos percebo que deveria ter dado valor àquela árvore no exato momento em que a recebi.
Ela foi minha confidente por anos, dormia comigo depois de ter lido em voz alta livros e mais livros sobre homens e mulheres que sofriam e amavam, me olhava todas as vezes que eu chegava em casa e era nada mais (muito mais) que uma árvore. A minha árvore que se perdeu no cotidiano.
Queria a Lucy me lambendo o rosto, o He-man me olhando e a macieira no jardim nessa primavera maravilhosa. Mas meu passado não será nunca meu presente.
Narrador Personagem, Infelizmente.
Há 12 anos
6 comentários:
Lindo teu blog! Uma das minhas melhores descobertas. Parabéns pela qualidade de seus textos!
precisava tanto ler algo escrito com tanto carinho. muito linda a história. doce e encantadora. atoooron *.*
nem li.. muito grande.. não faz meu estilo.. rsrs.. mas gostaria de fazer a presença e te dá essa moral! zYza..
Cara, depois que eu li esse texto, a primeira coisa que fui fazer foi procurar meu lençol da pequena sereia para me cobrir com ele. Nostalgia maravilhosa que você causou, baby baby ô
Belo retrato nostálgico
Gosto do saudosismo presente e da forma como constrói a história
Delicadamente desenhada e profundamente instituída
Lindo trabalho, Yza
; )
Nosso roteiro ta ficando cada vez melhor!!!
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