Último dia de setenta e três anos.
Sentei na poltrona desbotada que se encontrava no canto da sala, como sempre fiz durante um bom tempo, as memória me vieram com toda força, me assustei, sempre ouvi dizer que isso aconteceria, mas nunca achei que fosse verdade.
A saudade que apertava meu coração me fez lembrar daquele dia na praça, nos anos 50, quando conheci Antonio, alto, moreno, com aquela roupa branca encantadora.
Sentado do outro lado da praça roubava meus olhares, não conseguia parar de olhar para tal jovem, quando me vi, ele estava estendido ao meu lado, segurando um pacote de pipocas, tentei disfarçar com um sorriso, acho que ele nem chegou a perceber como me encontrava sem graça.
Comi pipoca após pipoca silenciosamente, não sabia o que falar, e ele me parecia estar esperando algumas palavras minha. Levantei e resolvi, enfim, falar meu nome “Maria”. Ele não disse nada, parecia não entender o porquê eu estava me apresentando, aguardei ele dizer algo, sorri novamente, estava sem graça mais uma vez, saí dali o mais rápido que pude.
Passei o dia me remoendo a vergonha, já havia visto aquele rapaz outras vezes na praça, resolvi voltar à noite, tinha a esperança que o veria novamente, pensei em algumas frases para falar na hora que o encontrasse. Assim que cheguei à praça, deixei que meus olhos se perdessem a procura dele, quando em um susto, ele aparece na minha frente e ouço “Antonio”. Ele me olhava nos olhos, e como de costume fiquei sem graça, sorri, mas não ia deixar que aquele encontro se passasse sem falas novamente, respirei fundo com todo ar que meu pulmão pudesse resgatar, e o conduzi pela mão até o banco mais próximo, naquele momento, as frases ensaiadas sumiram, tive que improvisar e driblar a falta de jeito; consegui durante toda a noite.
E assim, por meses, encontrava Antonio na praça, dias e noites. Certa manhã, assim que acordei, sentia-me com um frio na barriga diferente, me encaminhei até a praça, e Antonio me surpreendeu com um pedido, não me contive, meus olhos se encheram de lágrimas involuntariamente, era o que mais queria, sorri, mas não porque estava sem graça dessa vez, sorri com a felicidade que borbulhava em todo meu corpo.
Compramos uma casa azul, em frente à praça, tivemos dois filhos, Julia, a caçula, que está grávida novamente, e Bernardo, que junto com sua bela esposa havia me dado um grande presente uma dúzia de anos atrás, dois netos lindos, Luis e Gabriel, gêmeos. Antonio tinha câncer no pulmão, devido ao charuto; sentado na mesma poltrona que me encontrava, quando silêncio habitou a sala, trocamos olhares e sorri com delicadeza, foi o começo de anos vazios. Acabei perdendo-me em tristezas, a poltrona era minha companheira mais constante, as crianças já haviam crescido, e meus netos só me visitavam nos fins de semana.
Abri os olhos, e olhando para o lado, percebi a fresta na janela que deixava o sol entrar lentamente, pela primeira vez não me sentia sozinha, parecia que Antonio estava comigo novamente; uma confortante sensação, sorrir com todo meu amor era pouco: a última coisa da qual me lembro, tudo foi lentamente desaparecendo.
Narrador Personagem, Infelizmente.
Há 12 anos