quinta-feira, 10 de junho de 2010
Não, sim.
ainda chego em casa e largo minha bolsa no chão
dou três ou quatro goles na garrafa de água
e parto para o banheiro
Quando olho no espelho a única
coisa que penso é que
não pedi para ser assim
Caminho até os discos e escolho
cuidadosamente só um
isso tudo enquanto
a voz da Rita soa no roda
roda musical
Passo os dias indo e vindo no chacoalhar
de um ônibus qualquer
Acordo quando meus olhos abrem
e durmo quando eles decidem
fechar
Não pedi para ser assim,
mas é
e sou
domingo, 30 de maio de 2010
Saindo da caverna
Cinco, quatro, três... O relógio começou a andar ao contrário. Como vamos sair daqui? Não tem saída! Pelo amor de todos os santos daqui e de lá, me tire daqui. Vai, corre também. Está me escutando? Olha pra mim, eu consigo tirar a gente daqui. Confia. Confia. Cinco, quanto, três.
Confia. Abra os ouvidos, de alguma forma você conseguirá me escutar. Abaixe esses braços, não levante as mãos para o céu. Que céu¿ Estamos aqui. Presos a terra. Somos as raízes, deveríamos ser árvores. Estamos cada vez mais entranhados, precisamos sair daqui!
Cadê você? Pare de se esconder atrás do passado. Tem muito mais pela frente. Muito mais. A nossa vida não acabou, não vai acabar nunca. Solte minha mão. Você está presa demais. Não vou conseguir te tirar daqui. Eu sei, vou me salvar sozinha.
Você não vê saída? Eu vejo.
sábado, 29 de maio de 2010
quarta-feira, 19 de maio de 2010
Parabéns, este é teu presente.
Ai, que primavera maravilhosa. Acordei com um afago na cabeça e por uma fração de segundos vi o dia ensolarado. Uau, eu estava fazendo 8 anos, meu quarto era azul e nada me deixava mais contente do que ver o He-man enorme do lado do meu espelho. Eu esperava ganhar o Pégassus. Um carrinho dourado de controle remoto. Não ganhei, já vou logo adiantando.
Meu pai abriu um sorriso largo e disse: “Filho, teu presente está te esperando lá fora.” – ótimo. Joguei a coberta do Mickey longe e corri até o jardim. Nada me esperava lá fora, a não ser grama, uma macieira, na qual meu pai vivia se gabando por ter, e uma bola jogada no canto direito, perto do muro. Fiquei uns 10 minutos, sem exagero nenhum, gritando e procurando o presente – enquanto meus pais riam da porta de casa.
Eu diria hoje que aquele riso todo foi desnecessário. É muita sacanagem fazer isso com um moleque de 8 anos, cheio de ansiedade correndo na veia e sem os dois dentes da frente. Eu já estava emocionalmente abalado, uma seqüência de risadas era o que menos precisava.
Minha mãe finalmente resolveu cessar meus gritos desesperados de “cadê, cadê, cadêêê” e apontou para a macieira dizendo que ela era meu presente. Isso mesmo, eu havia sido presenteado com uma árvore. Uma bonita e robusta árvore. Macieira. Entendeu? ÁR-VO-RE. Olhei atônito para meus genitores e recebi de volta olhos ternos como quem diz “E aí? Gostou?”
Caminhei fincando meus passos no chão até o presente e, com toda minha fúria infantil, o chutei. Quebrei o dedão. Enquanto eu gritava de dor e desapontamento, meu pai corria até mim. Passei a manhã no hospital de pijama, e voltei com o dedo enfaixado. Passei a tarde inteira no meu jardim olhando para árvore e imaginando por que meu pai havia tido a infeliz idéia de me dar aquilo. “A macieira nem dá maçã direito”, pensava entre as lágrimas grossas.
Hoje estou aqui, olhando para as palmas de Júlia, Paulão, Roberto, meu pai e minha mãe. Paulão e Roberto são meus vizinhos no prédio. Júlia é minha prima que mora comigo aqui na capital para estudar artes cênicas. Meu pai e minha mãe... Bom, eles são, respectivamente, meu pai e minha mãe. Depois de 22 anos percebo que deveria ter dado valor àquela árvore no exato momento em que a recebi.
Ela foi minha confidente por anos, dormia comigo depois de ter lido em voz alta livros e mais livros sobre homens e mulheres que sofriam e amavam, me olhava todas as vezes que eu chegava em casa e era nada mais (muito mais) que uma árvore. A minha árvore que se perdeu no cotidiano.
Queria a Lucy me lambendo o rosto, o He-man me olhando e a macieira no jardim nessa primavera maravilhosa. Mas meu passado não será nunca meu presente.
quinta-feira, 29 de abril de 2010
Realeza da realidade.
Quem havia me nomeado rei? O vento sussurrou perto do meu ouvido esquerdo. Disse com todas as palavras que eu era quem o fazia ventar. Oras, nada é mais poderoso. Ditava sorrisos, danças e abraços. Guiava bocas, mãos e pensamentos. Estabelecia desordem à ordem.
Ao fim do dia, quando as estrelas já estavam pontilhando o azul escuro, sentava em meu trono de veludo vermelho e vestia a coroa de sonhos. Diante dos meus olhos fechados, vi guerras apocalípticas, abertura de mares e tranças caindo de janelas. As árvores me reverenciavam e as formigas abriam passagem. Simplesmente me sentia nada mais do que o rei do mundo.
Hoje, abro os olhos e o sol já nasceu. Meus passos andam sem me ouvirem e o tempo zomba de minha vagareza. Sorrisos, danças, abraços, bocas, mãos e pensamentos decidiram por si só acontecerem. Quando olho para o céu, duas ou três estrelas ainda brilham. Ninguém declara guerra, Moisés não abre mares e Rapunzel cortou as traças. Árvores existem e formigas persistem.
O mundo é meu rei. Estou de joelhos esperando ordens.
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Olhe lá, olhe cá
Hoje vi alguém sentado no meio fio quente enquanto escrevia, em um papel branco, letras frias. Durante exatos vinte segundos, encarei como se fosse a única mulher do mundo. Com as pernas cruzadas sustentando um bloco amarrotado, o lápis corria sem nem sequer desgrudar-se das letras. Talvez se eu tivesse mais quatro ou cinco segundos com aquele rosto suado e desconhecido, teria conseguido ler tudo que gostaria expressar.
A mulher de óculos escuros quadrados respirava curto, e eu estava no mesmo ritmo, mas ao contrário. Como se trocássemos de ar e ela sugasse todo o meu. Coçava a cabeça e secava a testa, enquanto caminhava contando os passos.
O meio fio meio frio enquanto quente estava, agarrava a mulher sentada como se nada existisse. O barulho do lápis machucando o silêncio da rua era inevitavelmente sensacional. Não parei para admirar de perto a beleza dos sonhos cuspidos. Tenho certeza que por um segundo deixei de conhecer a face hedionda. A esquina deveria nascer mais tarde e, então, não seria tarde demais.
quarta-feira, 24 de março de 2010
Com todo meu desprezível amor.
Antes de qualquer coisa, tire esse vestido vulgar. Acentua mais ainda seus traços de vagabunda. Olhando-te assim, faz parecer que, por menos de dez reais, consigo te levar para um quarto sujo e te comer de quatro sem piedade. Por qualquer gole de cerveja barata, você já se desfaz toda deixando aparecer o ombro direito. Tire o vestido vulgar e se vista como merece.
A perfeição soa tão clichê diante de você, que possui tantos defeitos. Longe de mim, odiá-los. Apenas os repugno de forma cortês. Não entendo o balançar dos seus quadris, riscando o ziguezague suspendido no ar. Meus olhos não acompanham com exatidão, tornam-se tontos e, involuntariamente, se fecham. Sinta-se livre para arrancá-los repentinamente, meus olhos não tem função alguma se não olhar para seu corpo.
Não adianta sussurrar ao pé do ouvido que sou o único que te faz sentir assim. Você fala, para todos, palavras estúpidas. Sinto pena, por isso a amo. Olhe no espelho esta noite, tire a maquiagem forte e a expressão de escrava. Desprezível. Quando olho para ti assim, sinto desprezo. Chego a crer que merece mesmo a vida imunda e ordinária – igualzinha a você.
Querida, me dê um abraço. Só assim me sentirei bem. Não há abrigo melhor se não seus braços. Daria todo ouro do mundo, é só pedir. Também posso fazer o que quiser. Pare de pontuar-se junto às ratazanas em uma noite trivial. É nítida a diferença, de longe, seus olhos brilham – enquanto outros apenas existem.
Puta pobre, você é a escória humana. A cada gozada que toma na cara, apodrece sentindo o gosto de velhos escrotos. Se seu sonho era ser medíocre, está de parabéns. Realizou com louvor. Preciso tomar um rumo na vida e largar de vez os seus gemidos fingidos.
Amanhã passo para mais umazinha.
_____________________
Agradecimentos: Nelson Pinho e Pamela Peixoto