quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Carta de um descrente.

Engoli a pouca saliva que guardava na boca e, por alguns segundos, a deixei completamente seca. Fiz isso para dizer que já não quero conquistar hoje o alguém que ontem conservei, meu pulsar pede o versa e o vice, talvez o vice-versa. Não lhe culpo, nem você sabe o que está acontecendo e o que aconteceu. Eu acredito.

Quando disse que o futuro existe porque o passado não é bom o suficiente para se manter; estava buscando um sentido, qualquer um dos cinco. Aquele outubro não foi um mês, e o dia não teve tarde. Estava quente e, se paro por dois pingos dágua, sinto o que senti enquanto vesti azul e você cinza. Agora parece flor de uma noite bem dormida; em consequência de um sonho bom, que provoca na boca um rasgar confortável.

Eu estava submersa quando acordei e ainda sinto os braços líquidos e macios, alguém disse meu nome pedindo que eu pousasse no vazio do mundo, pousei. Quis chorar, quero. Dois tempos e duas razões, já não sei qual prefiro; tão diferentes em degradè. Cada quilômetro percorrido por lágrimas ralas me custou três colheres de yogurt e cada botão que desfiz foi de graça. É pleonasmo agradecer, é eufemismo só agradecer.

Calado, como quem ouve uma sinfonia, eu acredito.


sábado, 8 de agosto de 2009

Dois goles de palavrão e uma cerveja.

Quando entrei na casa de Marcelo, me deparei com Luiza e João dividindo o sofá de couro marrom e bebendo cervejas enquanto riam alto por algum motivo que não fazia questão de saber. Marcelo olhava a rua através de uma janela de madeira que se recusava a fechar nos dias mais frios do ano. Sentei na cama, deitei na cama. Marcelo já era meu amigo há 3 anos e nunca vi aquele vagabundo procurar um emprego, Marcelo recebia cheques de seus pais que viviam no Rio de Janeiro e torrava tudo em cerveja e cigarro, nem para comprar algo de boa qualidade o infeliz prestava. João é um grande filho da puta, mas apesar de tudo não posso negar que a loucura dele era o que me mantinha ali, ainda, como se fossemos irmãos de sangue. Luiza trabalha no bar do tio, recebia umas cantadas de uns bêbados fiéis e cem reais por mês. Loira e alta, ela pecava só na falta de compostura; algo que não fazia tanta diferença dentro daquele apartamento.

As risadas dos dois abafavam os resmungos de Marcelo, que continuava olhando através daquele retângulo de madeira. Não dei a mínima pra tudo que estava acontecendo na sala, já estava cansada daquela vida ridícula em Brasília. Não fomos feitos para essa merda toda, essa maldita prisão ao ar livre. Fiquei olhando o teto com infiltrações enquanto recusava a cerveja oferecida por Luiza, Marcelo enfim resolveu mudar a direção do olhar e me acompanhou, contemplando o teto manchado. Ficamos ali na cama por volta de quatro anos ou quatro minutos, não sei ao certo.

João gritou pedindo liberdade, mas não moveu nenhum músculo do rosto para tal; Luiza o apoiou e subiu no sofá com os braços erguidos buscando a lua, que naquela hora deveria estar cheirando à sushi. Quando ouvi aquelas quatro sílabas saltei da cama e quebrei um estrado, Marcelo quebrou outro e se levantou também. Acho que a solidão que o teto se encontrava naquele momento abria a porta para saírmos, fui na frente e não reparei a ordem que me seguiram. Fomos ao banco e retiramos todo dinheiro que encontramos em nossas respectivas contas. Luiza ligou pro tio, Marcelo pros pais, João pra puta que ele se apaixonara e eu liguei pra casa de Marcelo, para conferir se o teto permanecia em silêncio.

Gastando o salário mensal de garçonete com cerveja, distribuindo a quantia dos cheques fraternais para os mendigo e gastando o amor antes disperdiçado, lá estávamos os quatro no Rio de Janeiro. Luiza agora é garçonete de outro bar, Marcelo mora na casa dos pais, João se apaixonou por outra puta e eu não conheço o significado de gratidão.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Eu disse não.

Quando eu digo que não quero é pelo simples fato de querer ouvir você dizendo que quer.

Chega! Não quero mais ficar nervosa enquanto os pássaros cantam olhando o sol do meio dia; isso me deixa triste, mas não posso deixar que o vento note. Você me segura com força querendo impedir que eu vá, mas suas mãos só me fazem sentir dor quando querem mostrar carinho. Não consigo mais pedir desculpas, já não me acho tão errada. O certo e o errado já não são tão antagônicos, costumava achar bonito ver os dois se tangenciando.

Agora estão todos conversando e só eu ainda sinto no corpo a fraqueza e dor, não, por favor, não me deixe acreditar mais uma vez que a culpa é toda minha. Só queria dividir tudo isso da forma mais egoísta possível. Será que você não percebe? Somos um formando dois, e só conseguimos sentir cheiro de flor. Me deixe ir enquanto o mar está calmo. Cale a boca, guarde suas palavras em uma caixa confortável.

Quando puder ouvir tudo que um dia tentei gritar, finja não entender; eu só queria um pouco de conforto em minha caixa de palavras. Não tenho todas as respostas para as perguntas que criei, mas tenho todas as perguntas esperando as respostas. Me procure quando quiser, mas me deixe ir! Eu preciso ir. Parem de me olhar assim: como se não me conhecessem. Sim, fui eu que bebi na noite de quarta-feira enquanto você juntava as mãos e rezava. Sim, fui eu, somente eu.

Se eu disser que não quero mais há de ter uma razão: estou vendo o limite.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Prefiro

Prefiro os peixes e não os cães
Pois não me lambem quando chego em casa
Pois não me dão carinho quando chego em casa
Prefiro os peixes e não os cães

Prefiro os peixes e não os gatos
Pois não se enroscam em minhas pernas no frio
Pois não querem dormir comigo no frio
Prefiro os peixes e não os gatos

Prefiro os homens e não os peixes
Pois me dão carinho quando chego em casa
Pois querem dormir comigo no frio
Prefiro os homens e não os peixes

sábado, 27 de junho de 2009

Nada muito diferente - II.


Caminhava na Mathew Street, tentando não respirar o ar europeu, apesar de tudo sentia falta do Brasil. O sol permanece em silêncio, assim como eu, aguardando seu momento de estrelato. Caminho na Mathew Street sobre paralelepípedos uniformes, tentando não pisar no chão. Tudo parece frio demais ao corpo e quente demais aos olhos. Sinto-me um pouco desorientada, sem saber o leste e o oeste. Sinto alguém me seguindo, não quero olhar para trás.


Como fui parar em Liverpool? De onde eu surgi? Sento ao lado de Eleanor Rigby, materializada em bronze, e fico fitando meus sapatos vermelhos; passo a mão no rosto tentando buscar a consciência (em vão). Nada parece muito real quando não se tem com quem compartilhar; tentei falar com Eleanor:


" - Você era a senhora da lápide ou a menina de 14 anos faxineira no City Hospital, de Parkhill?"


Tento ouvir Eleanor respondendo, juro que tentei, mas ela parece estar fitando meus sapatos vermelhos. All the lonely people observam tudo quando tudo não as observa. Fecho os olhos diminuindo um pouco da ardência e causando sensação de conforto, deixo, lentamente, a cabeça tomar o rumo; inclinada para a esquerda e levemente puxada por um ímã no chão.


Acordo meio zonza e demoro a me acostumar com a luz natural, minhas roupas estão úmidas em consequência ao sereno. Agora tudo é passado. Andei pela Mathew Street procurando qualquer lugar para forrar o estômago com dois goles de café gratuitamente. Não sei como, mas me lembrei de um Paul, que trabalhava no The Grapes Hotel, e tive a flutuante impressão de que éramos amigos. Assim que entrei no Grapes senti um puxão no braço e um menino-homem, aparentando ter 24 anos, começou a falar euforicamente com tom de nervoso:


" - Porra, Julia, onde você se meteu noite passada? Estava louco tentando te ligar, conseguimos um show para sexta!"


Não respondi, apenas tentei juntar as sobrancelhas. Dúvidas abriram a porta rapidamente: uma delas queria saber como o garoto de olhos verdes e cabelo castanho cacheado sabia meu nome; a segunda tentava entender como o mesmo tinha meu número de telefone; a terceira ficava lutando para saber sobre que show ele estava falando; e a quarta, porém não menos crucial, pocurava arduamente se lembrar que dia da semana era. Os olhos verdes se reviraram em polvorosos, contrastando meus olhos castanhos um tanto quanto mortos e pesados.


"- Ah! Já entendi, você tomou Old Eigth denovo. Não adianta, por mais que já esteja claro que você perde os sentidos, a memória e tudo aquilo que se pode perder... você continua tomando essa merda. Oi, sou Paul. Temos uma banda, The What, sou guitarrista e você vocal. Hora de viver!"


Fora então que lembrei de tudo. Eu morava em Liverpool, moro, havia me mudado fazia dois anos para trabalhar como jornalista no Liverpool Daily Post, jornal local. Conheci Paul no The Cavern Club e fiquei julgando a obsessão por The Beatles de todos, até que ele me disse que o nome dele era em homenagem ao McCartney. The What, nossa "banda". Ainda estávamos procurando qualquer baterista e, também, qualquer, qualquer mesmo, baixista. Lembrei do quão ruim era o nome da nossa banda, tentando fazer um trocadilho imbecil com The Who. Só Paul levava com seriedade aquela brincadeira de acordes. Agora tudo é presente.


Tomo uns goles de café gratuitamente e vou para casa tomar banho. Tolice a minha ter achado que ontem era minha primeira noite em Liverpool; logo agora, que começa a ter mais rotina do que café no meu copo.


sexta-feira, 26 de junho de 2009

Nada muito diferente.

O letreiro vermelho luminoso me lembrava os motéis baratos do Brasil, de fato, não eram lembranças agradáveis. Já que estava lá, parada com meu vestido preto de bolinhas, nada muito anos 60, e meia calça, às 10pm; resolvi não deixar o passado tomar decisões e entrei. The Cavern Club. A única exigência era não encontrar espelho no teto; de resto, tudo seria lucro para a primeira noite em Liverpool.


Contrariando pensamentos previsíveis, eu não havia viajado para a cidade impulsionada por meus comprimidos diários dos Beatles; estava lá sem querer. Depois de uns infinitos goles só estava descabelada, com cinquenta libras entre meu seio esquerdo e o sutiã, e em Liverpool! Saldo positivo para uma noite de outono.

Lugar aconchegante,quadro andares abaixo ao solo, de tijolos e teto sem espelho; porém arredondado. Eu conseguia sentir o aroma de jazz na parede, mesmo estando claro que tudo é puro rock'nroll. Todas as pessoas, sem distinção de sexo e bebida, pareciam já ter lido a biografia de John Lenon. Me senti deslocada; nunca tive sequer a vontade de ter paciência para ler sobre a vida do João; 'brasileiramente' falando. Resolvi, ou minhas pernas resolveram por mim, sentar. A mesa tinha lugar para mais duas pessoas e, naquele momento, só tinha um amigo imaginário. Por isso o matei, ia ficar muito óbvio que tinha poucos amigos.

Havia um guitarra saltitando ao fundo todas as vezes que a bateria mandava, contrastando com a falta de originalidade daqueles que a sentiam/ouviam/viam/ignoravam. Meus ombros começaram a ficar descompassados, enquanto um ia para frente, o outro direcionava-se para trás; no ritmo da louca música de UK. Não vou mentir, aquilo tudo era bem melhor do que o Google poderia me oferecer.

Longe, avistei um homem de blusa social branca tentando se esconder atrás do colete preto. Segurava o copo de cerveja como se fosse o último diamante da noite, nunca gostei muito de diamantes e cerveja. Ele olhava compenetrado para o teto se agitando e gritando, da forma mais fiel que o gerúndio possa se expressar. Fiquei com inveja e saí daquela caverna.

Beijei de forma intensa o João de bronze, e coloquei o resto do dinheiro em outro sutiã bêbado.


Selo

Agradecer o blog http://www.indio-indie.blogspot.com/ pela indicação do selo.
Ctrl c + Ctrl v = "Este selo é para blogs que 'demonstram talento, seja nas artes, nas letras, nas ciências, na poesia ou em qualquer outra área e que, com isso, enriquecem a blogosfera e a vida dos leitores'.

Regras:
1 - O premiado deverá expor o selo no seu blog e atribuí-lo a sete outros blogs que considere merecedores.
2 - O premiado deverá responder à seguinte pergunta: O que significa para si ser um Homo sapiens?"

1- Os blogs que estão no canto esquerdo da tela são merecedores.
2- Para falar a verdade, não significa muita coisa palpável. Até agora eu estou gostando.